Porém, faço um gesto. Pego em minhas mão um objeto singular que une duas facas, uma virada contra a outra, preparadas para, a uma leve pressão do polegar contra os dedos indicador e médio unidos, cortar o que estiver em seu meio. Assim, sigo, com as mãos meio trêmulas, pressentindo na margem do meu campo de percepção a inevitabilidade dos meus gestos. Junto meus cabelos com as duas mãos, como se fosse prendê-los em um rabo de cavalo. Seguro-os com uma mão, enquanto a outra segura a tesoura. Em frente ao espelho, sem determinar claramente o que estou fazendo, fecho as hastes cortantes, da esquerda para a direita. Sinto os tufos de cabelo soltarem-se na mão que permaneceu segurando-os. A própria ação parece fazer sua certeza, um instante que se concretiza no diâmetro de milhares (milhões?) de fios de cabelo agrupados. Como medir o tempo entre o primeiro e o último fios a sentirem a ação da tesoura? Para mim eu atravessava a grossura da corda me prendendo à bagagem acumulada de gestos imperfeitos de meu passado. Vi os eus antigos que me puxavam para o fundo do poço agora rodopiarem como peças velhas de roupa caindo no abismo e me deixando solto. Agora estava feito: o corte acontecera.
Coloquei o tufo cortado na sacola plástica de supermercado que eu já separara previamente para este fim. Esfreguei uma mão na outra para me separar dos fios que, úmidos, insistiam em permanecer agarrados a mim. Os cabelos me parecem algo morto, uma parte cirurgicamente extraída de um estranho.
- Cortar o velho para deixar vir o novo.
Tão simples assim?