sábado, 21 de maio de 2011

OLHARES

Entrei no restaurante decidido. Pediria uma resposta hoje, uma definição. Certo receio me acompanhava, claro, pois era possível que esta minha ânsia de definir, minha necessidade de alguma certeza, seria exatamente o que poria tudo a perder. Mas como escapar? Como me aguentar em terreno incerto, deslizar entre tons de cinza, sem saber do branco e do preto? Relações incertas não eram para mim.
A súbita mudança do sol para a sombra do salão principal deixou-me desorientado por segundos. Mas não tirei meus óculos escuros. Chegaria até ele com minha armadura completa. Havia poucas mesas ocupadas no restaurante. O movimento do almoço começava lentamente. Eram meio-dia e dez. Marcara com ele ao meio-dia, pensando que um meio-dia exato poderia ser uma lâmina, o fio de uma meia-noite, a separar um dia de outro.
Instintivamente segui adiante pelo conhecido caminho até o terraço. Meus planejados dez minutos de atraso não serviram para nada. O terraço estava vazio; Ricardo me falhara em sua propagandeada pontualidade britânica. Os guarda-sóis sobre as mesas produziam sombra, mas a luz solar inundava tudo, o que confortavelmente me desculpava para permanecer com meus óculos escuros.
Parei no limiar entre sombra e sol.
Ele parou no limiar entre sombra e sol.
Segui o cliente que entrou e foi em direção ao terraço; hoje sou eu o responsável por esta área. Observei-o com um olhar que não é apenas o olhar do garçom.  Agora, com ele parado a ponto de entrar no terraço, vejo, através da camiseta branca, os músculos de suas costas se tensionarem rapidamente e pouco a pouco relaxarem. Imagino o que aconteceu: esperava encontrar alguém e este alguém não está ali. Ele passa a mão lentamente pelos cabelos, como se pensasse no que fazer. Dirige-se a uma mesa, em um passo bem mais vagaroso do aquele com o qual entrou no restaurante.
Aproximo-me e ele não me vê, vê apenas o garçom.
- Por favor, uma caipirinha de vodka.
Vai beber em homenagem a quem deveria vir e não veio? Saio do terraço e levo o pedido à cozinha. Será a bebida preferida dele ou de quem não veio? Estará abandonando ou sendo abandonado? Chegara tão decidido, mas o que fará agora? (Por que acho que é uma história de amor?) Talvez ele viesse disposto a tentar mais uma vez, mas é possível que alguém tenha decidido por ele terminar da pior maneira: a ausência. Também eu já sofri abandonos – mas que bobagem essa de imaginar que ele vive minha história.
Vou e venho, atendo outros clientes, pois pouco a pouco são ocupadas as mesas do terraço. O homem continua à mesa, sozinho. Pegou e olhou seu telefone celular. Pensou em ligar?  Guardou o celular no bolso da calça.
Ele me pede mais uma caipirinha. Esta é rapidamente consumida e logo me pede a terceira. Pedirá uma quarta? Agora o movimento é mais intenso, não consigo observá-lo o tanto quanto gostaria.
Ele faz sinal para mim. Aproximo-me. Antes que peça algo (a quarta caipirinha?), falo:
- Desculpe-me por lhe dizer isto, mas o senhor já tomou três caipirinhas. Não seria hora de comer algo?
Ele levanta os olhos para mim.
Levanto meus olhos para ele.
O garçom é um homem alto, loiro, de olhos verdes brilhantes. Como não vi que era bonito? Em seus olhos, vejo preocupação, e não a zombaria que suas palavras poderiam pressupor. Tiro os óculos escuros, quero que ele também veja meus olhos, desarmo-me. Este homem sabe tão facilmente assim reconhecer alguém que foi abandonado? Há algo mais em seu olhar, que ele mantém fixo no meu, agora que desnudei meus olhos, há profundidade. E há mais, desejo, sim, e no fundo, uma certa solidão, que o faz reconhecer a solidão alheia.
- Você estará livre mais tarde? - pergunto.

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